terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Planejamento e Literatura

Sempre acreditei que a literatura fosse o lugar da palavra verdadeira, o espelho fiel e crítico da sociedade e a publicidade o lugar da mentira em que tudo vale para se vender um produto, com cuidado, prático e não ético, para não se tornar propaganda enganosa e macular a imagem da marca. Mas percebo que a Propaganda mudou e atrelada a esta mudança está o fortalecimento dentro das agências da área de planejamento, que apoiado na genialidade de alguns criativos, permite transformar uma campanha ou uma ação publicitária em fato social.

Esta transformação, propagada e percebida por todos aqueles que muito mais do que eu a vivenciaram e a proporcionaram, adveio de um "planejamento sensorial" pulverizado em diversas áreas da agência, ou daquelas que se permitem guiar por alguns sentidos - muito mais subjetivos do que as tabulações das pesquisas de mercado e sacadas criativas da old advertising - como a intuição, o raciocínio, a experimentação e a percepção. Percepção sobre os fatos da sociedade que nos envolve, experimentação das novidades tecnológicas e possibilidades de interação com o consumidor, raciocínio sobre as pesquisas que apontam certos caminhos a serem considerados e, por fim, talvez a mais transformadora delas, a intuição sobre a vida das pessoas (pois os consumidores passam a ser entendidos como pessoas num amplo aspecto de construção de marca), armas básicas para um bom planejamento que vêm acompanhando e aparelhando a comunicação publicitária.

Acredito que o cuidado com o consumidor, como forma de alcançá-lo com maior eficácia e perenidade, permitiu à propaganda tornar-se um espelho condutor dos comportamentos da sociedade e, como já sabemos, as marcas que se pretendem longevas têm que trafegar por um caminho consciente, criando um potencial de transformação positiva. Hoje somente as investiduras na percepção sensorial poderá criar um bom brief para a criação, antecedido de uma boa argumentação para o cliente. Assim como interpretar um texto literário, não é simplesmente entender o que o autor "quis dizer" com aquela história, mas sim entender o contexto em que foi dito, a pertinência da forma utilizada e todos os anseios que envolvem as personagens (espelho dos leitores), a época (espelho da realidade) e o tema (espelho da mensagem); para fazer uma boa campanha publicitária não é simplesmente ter uma boa sacada, é preciso refletir os consumidores, a época e o tema em voga na sociedade, inclusive através de fórmulas e piadas, desde que pertinentemente planejadas.

A obra de Machado de Assis, por exemplo, não existiria sem o contexto do Rio de Janeiro no século XIX, sem uma observação apurada da sociedade, seus comportamentos e costumes. Mas, afinal, o que tem a ver Machado de Assis com a Propaganda? Machado é uma marca que construiu a si própria, sólida, respeitável e longeva e, assim como a Coca-Cola - que nasceu de um xarope para tosse de fundo de quintal e tornou-se o refrigerante mais popular do mundo - Machado nasceu pobre, epiléptico e neto de escravos alforriados e tornou-se um dos escritores nacionais mais respeitados e membro fundador da Academia Brasileira de Letras - instituição que, apesar das idiossincrasias, representa grande prestígio no universo intelectual brasileiro.

Em suma o escritor fez da intuição, percepção, raciocínio e experimentação da sociedade carioca, instrumentos para construção de grandes produtos, que estão para o mercada editorial, assim como a sua contemporânea Levi's está para o mercado de calças jeans - líder do segmento, nasceu original e se transformou em sofisticado, é imitado a todo custo e nunca igualado, representa tradição e modernidade a um só tempo, etc.

Outro "imortal" que pode me ajudar neste comparação é o mago Paulo Coelho, que galgou o mundo através de uma obra com qualidade literária duvidosa, mas fruto de uma genial percepção sensorial dos anseios da sociedade, o que o tornou uma das marcas mais valiosas dentro do universo editorial. Trata-se de um produto provavelmente não tão longevo quanto aqueles produzidos por Machado de Assis, mas certamente mais popular e consumido em larga escala no mundo todo. E isso me faz pensar se a literatura não estaria num caminho oposto ao da publicidade, onde antes tínhamos marcas como Machados, agora temos Coelhos, enquanto na publicidade tínhamos campanhas de cigarro que queriam "levar vantagem em tudo, certo?" e agora apresenta marcas que convidam a mulher a serem elas mesmas ou a "descabelarem-se" por prazer.

O que mais me seduz no Planejamento é que ele permitiu a Propaganda ares de artesania intelectual e de primazia no poder transformador, o que sempre deleguei as diversas formas de arte pura. E permitiu que a intuição passasse a ser determinante na construção de uma marca, na compreensão do consumidor e no desenvolvimento de um caminho estratégico; além de ampliar seu alcance, através das mais diversas mídias, para longe do alcance que a literatura tem nos dias de hoje, mas que teve nos tempos das mídias exclusivamente impressas.

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